Ignacio Rangel e a questão agrária brasileira.
Ignácio Rangel abordou a questão agrária brasileira em diversas obras, com destaque para o livro A Questão Agrária Brasileira (1962), onde analisa as estruturas fundiárias do Brasil sob uma perspectiva histórica e econômica, com forte influência marxista, mas também incorporando elementos originais. Suas ideias sobre o tema são marcadas pela tese da dualidade básica da economia brasileira, que ele aplicou para entender as relações entre o setor agrário e o desenvolvimento capitalista.
Pontos centrais do pensamento de Rangel sobre a questão agrária:
- Dualidade Estrutural:
- Rangel via o campo brasileiro como um espaço de coexistência de relações econômicas modernas (capitalistas) e arcaicas (pré-capitalistas, como o latifúndio baseado em trabalho semi-servil). Essa dualidade não era apenas uma contradição, mas uma articulação funcional que sustentava o subdesenvolvimento brasileiro.
- O latifúndio, para ele, não era apenas um resquício feudal, mas uma instituição adaptada ao capitalismo periférico, que atendia às demandas de exportação (como café e açúcar) enquanto mantinha relações de produção atrasadas.
- Subordinação ao Capitalismo Global:
- Ele argumentava que a estrutura agrária brasileira era moldada pelos ciclos econômicos internacionais (como os ciclos de Kondratieff). A produção rural, especialmente a exportadora, estava subordinada às necessidades do mercado global, o que limitava a modernização do campo e perpetuava a concentração de terras.
- Essa dependência explicava por que o Brasil não desenvolveu uma reforma agrária significativa, já que o latifúndio era funcional para os interesses das elites locais e do capital estrangeiro.
- Crítica à Estagnação do Campo:
- Rangel apontava que a baixa produtividade do setor agrário, decorrente da concentração fundiária e da falta de investimentos, era um obstáculo ao desenvolvimento industrial e à expansão do mercado interno. O campo não conseguia suprir a demanda por alimentos e matérias-primas de forma eficiente, o que gerava inflação e crises econômicas.
- Ele via a agricultura como "esquizofrênica", dividida entre a produção para exportação (dinâmica, mas subordinada) e a produção para o mercado interno (estagnada e insuficiente).
- Reforma Agrária e Desenvolvimento:
- Rangel defendia a necessidade de uma reforma agrária para romper com a dualidade e promover a modernização do campo. No entanto, ele não via isso como uma simples redistribuição de terras, mas como parte de um projeto mais amplo de desenvolvimento nacional, que incluísse industrialização e fortalecimento do mercado interno.
- Ele alertava que, sem mudanças estruturais, o campo continuaria sendo um entrave ao progresso econômico e social, perpetuando desigualdades.
- Contexto Político:
- Escrevendo nos anos 1950 e início dos 1960, Rangel estava inserido no debate sobre o desenvolvimentismo e as tensões políticas que culminaram no golpe de 1964. Ele via a questão agrária como central para a superação do subdesenvolvimento, mas reconhecia a resistência das elites latifundiárias, que bloqueavam reformas.
Obras Relevantes:
- Em A Questão Agrária Brasileira (1962), ele sistematiza sua visão sobre a estrutura fundiária e suas implicações econômicas, criticando tanto o latifúndio quanto a ausência de políticas públicas eficazes.
- Em outros textos, como artigos e ensaios, ele relaciona a questão agrária à inflação (como em A Inflação Brasileira) e à necessidade de planejamento econômico, enfatizando o papel do Estado.
Legado:
Rangel foi pioneiro ao mostrar que a questão agrária não era apenas um problema de justiça social, mas um entrave estrutural ao desenvolvimento capitalista no Brasil. Suas ideias influenciaram debates sobre reforma agrária e políticas agrícolas, embora tenham sido parcialmente ofuscadas pelo contexto repressivo pós-1964.
Comentários
Postar um comentário